Publicado em 28 maio de 2025 às 13:25

Mortalidade Materna de Mulheres Negras e Racismo obstétrico
Prezado Governador,
Ao cumprimentá-lo, vimos por meio desta manifestar-nos e solicitar providências enérgicas quanto a prevenção e ao enfrentamento da mortalidade materna de mulheres negras na Bahia bem como ações estruturantes para o combate ao racismo obstétrico, tendo em vista que a mortalidade materna de mulheres negras é uma das expressões desse racismo, embora não a única. Faz-se necessário pensar os direitos sexuais e reprodutivos de mulheres negras de forma mais ampla.
Apesar de o estado da Bahia contar com uma população majoritariamente composta por pessoas negras (cerca de 80%) e por mulheres (quase 52%), esses dois grupos apresentam indicadores de saúde preocupantes e desafiadores, tanto no que se refere à vitimização por doenças e agravos quanto ao acesso a ações de promoção, diagnóstico e tratamento em saúde.
Não por acaso, em 2009, o Governo Federal instituiu, por meio da Portaria do Ministério da Saúde n° 992/2009, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que contempla a saúde da mulher negra como um de seus eixos estratégicos. Seguindo essa diretriz, o estado da Bahia também instituiu sua própria política: a Política Estadual de Atenção Integral à Saúde da População Negra, formalizada pelo Decreto Estadual nº 14.720/2013.
Ademais, o Brasil foi o primeiro país a ser condenado por morte materna em uma corte internacional, em 2011, devido ao caso de Alyne Pimentel, uma mulher negra que faleceu em 2002, no Rio de Janeiro, em decorrência de negligência obstétrica. Esse caso levou o Estado brasileiro a assumir compromissos de retratação e reparação pública, resultando na criação da Rede Alyne Pimentel — uma estratégia nacional do Ministério da Saúde cujo objetivo é reduzir em 50% a mortalidade materna de mulheres negras até 2027, por meio da ampliação das ações de saúde materno-infantil e com um investimento previsto de R$ 1 bilhão em 2025.
Porém, apesar dos esforços normativos e programáticos listados acima, a realidade do Brasil e da Bahia em relação à mortalidade materna de mulheres negras permanece desastrosa especialmente se considerarmos que a gravidez não é uma doença e que essas mortes são, em sua maioria, evitáveis.
No Brasil, dados preliminares de 2022 apontam que, enquanto a razão de mortalidade materna entre mulheres brancas é de 46,56 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos, entre mulheres negras esse número mais que dobra, chegando a 100,38 óbitos (Pesquisa Nascer II/Fiocruz).
Na Bahia, a taxa é de 55,3 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos — acima da média nacional — e, segundo dados da SESAB/DIVEP (2018), 85% das mortes maternas no estado vitimam mulheres negras.
Recentemente, no ano de 2024, na Maternidade Albert Sabin, ocorreram dois casos que foram amplamente divulgados por canais de comunicação locais. No entanto, até o momento, a população não foi informada sobre as medidas adotadas pelas autoridades competentes.
Inclusive, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB), após provocação do Movimento Negro Unificado da Bahia (MNU-BA), por meio do Ofício n° 21/2024, prestou informações consideradas insuficientes tanto sobre a apuração dos casos quanto sobre as ações anuais voltadas à prevenção da mortalidade materna de mulheres negras e ao enfrentamento do racismo obstétrico.
Essa omissão é ainda mais grave quando se considera que o Plano Estadual de Saúde da Mulher possui um capítulo específico voltado às mulheres negras, além das diretrizes estabelecidas pela Oficina Nacional de Mortalidade Materna de Mulheres Negras no contexto do SUS, promovida pelo Ministério da Saúde em 2023.
Ressalta-se, ainda, que há informações de que uma das médicas envolvidas em um dos casos mencionados atualmente atua em outra Unidade Estadual de Alta Complexidade especializada em partos — sendo esse profissional já alvo de denúncias por práticas de violência obstétrica em episódios anteriores a 2024.
Cabe destacar que:
- O racismo é um determinante social da saúde, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2005 e pelo Governo Brasileiro em 2009, por meio da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra;
- O racismo obstétrico, de acordo com a estudiosa estadunidense Dána- Ain Davis, manifesta-se na interseção entre violência obstétrica, raça e gênero, e envolve sete dimensões: Lapsos diagnósticos; Negligência; Causar dor intencionalmente; Coerção; Humilhações públicas; Abuso médico; Desdém ou desrespeito.
- A mortalidade materna de mulheres negras, indicador importante da qualidade de vida da população negra, refere-se à morte de mulheres negras durante a gestação ou até 42 dias após o término da gravidez, decorrente de qualquer causa relacionada à gestação ou ao seu manejo, exceto causas acidentais ou incidentais (segundo a definição da OMS);
- Cerca de 92% dos casos de morte materna são evitáveis, sendo causados principalmente por hipertensão, hemorragias, infecções e abortos provocados (Levantamento UNICAMP; IBDFAM).
Face ao exposto, e considerando o compromisso do seu governo com a transparência, com os interesses coletivos e populares, com o enfrentamento ao racismo, bem como as diretrizes do Programa de Governo Participativo Jerônimo 2022, no que se refere à saúde e à promoção da igualdade racial, solicitamos, com a urgência que o assunto requer, as seguintes informações e providências:
- Informações e/ou comprovações sobre o afastamento ou desligamento dos profissionais de saúde envolvidos nos dois partos ocorridos em 2024 na Maternidade Albert Sabin que culminaram em morte materna. Consideramos que o afastamento desses profissionais durante o processo de apuração — que, segundo a SESAB, ainda ocorre sob sigilo — é medida mínima de coerência e pode representar a prevenção de novas mortes maternas na Bahia;
- Apresentação do planejamento de formações e capacitações permanentes sobre mortalidade materna de mulheres negras e racismo obstétrico, voltadas a toda a rede estadual de maternidades e hospitais que realizam partos pelo Sistema Único de Saúde (SUS);
- Relatório descritivo das formações e capacitações promovidas pela SESAB entre os anos de 2022 e 2024, com enfoque na mortalidade materna de mulheres negras e no enfrentamento ao racismo obstétrico;
- Informações sobre os achados dos Comitês de Mortalidade Materna e da Vigilância do Óbito no que se refere às mortes maternas de mulheres negras;
- Cópias ou exemplares dos materiais informativos e educativos produzidos pela SESAB e distribuídos às maternidades e hospitais relacionados à temática da mortalidade materna de mulheres negras e do racismo obstétrico;
- Levantamento de denúncias e queixas sobre violência obstétrica e racismo obstétrico sofridas por mulheres negras, recebidas nos últimos cinco anos em hospitais e maternidades que realizam partos na rede estadual;
- Informações atualizadas sobre a estrutura, funcionamento e acessibilidade das ouvidorias estaduais, no que tange à escuta e encaminhamento de denúncias relacionadas à violência obstétrica e ao racismo obstétrico;
- Dados sobre a situação atual dos fluxos de referência e contra- referência entre maternidades e a atenção básica, especialmente no cuidado pré e pós-natal;
- Dados atualizados sobre mortalidade materna no Estado da Bahia, por microrregião de saúde e por município;
- Dados de acesso ao pré-natal na Bahia, com recorte específico para mulheres negras e mulheres negras quilombolas, organizados por microrregião de saúde e por município;
- Dados atualizados sobre o acesso ao aborto legal no estado da Bahia;
- Informação sobre a existência de um Plano Estadual de Enfrentamento à Mortalidade Materna e, em caso negativo, se há pretensão de sua elaboração e implementação;
- Informações sobre o investimento financeiro estadual, incluindo o cofinanciamento aos municípios, voltado à prevenção da mortalidade materna;
- Apresentação da metodologia de monitoramento estadual da mortalidade materna de mulheres negras, incluindo ações de prevenção e enfrentamento;
- Dados de acesso e resultados (devidamente datados) dos programas e projetos como “Aleitamento Materno”, “Mãe Canguru” e “Parto Humanizado”, no âmbito da rede estadual;
- Status atual da implementação do quesito raça/cor, conforme determina a Portaria MS n° 344/2017, em todas as unidades estaduais do SUS (diretas ou indiretas).
ASSINAM ESTA CARTA OS SEGUINTES CONSELHOS DE PROFISSÃO E ENTIDADES DE MOVIMENTOS NEGROS:
CRESS 5º Região – BA – Conselho Regional de Serviço Social.
CRP 3º Região – BA – Conselho Regional de Psicologia.
MNU – BA Movimento Negro Unificado. ODARA – Instituto da Mulher Negras.
Rede de Mulheres Negras Bahia.
Movimento de Mulheres Negras Dandara do SISAL.
CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras.
FENEBA – Fórum de Entidades Negras da Bahia.
Bloco Afro Os Negões
UNEGRO – União de Negros Pela Igualdade.
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